Daí eu lembrei como minha geração viveu os games no Brasil e que, só recentemente, a gente começou a comprar jogos originais. Pra ilustrar isso, eu gostaria de trazer três histórias.
Pirataria no Mega Drive
Eu nasci em 1986 e isso quer dizer que a maior parte do que eu lembro da minha infância foi nos anos 90. Minha história com consoles é meio difícil de resgatar porque ela pode até ter marcado pra mim, mas essa não é muito a praia dos meus pais. A única vez que eu vi um dos dois jogando bastante foi durante a febre dos Brick Games, que a minha mãe ficou viciada.
Antes disso, eu só tenho uma vaga lembrança de um Atari que não era nosso ter ficado em casa um tempo. Como eu era novo, só vem a mente as imagens dos jogos que marcaram mais: Pacman, River Raid, Enduro, Dragon Treasure e alguns jogos que eu não encontro o nome.
Não tinha celular na época, nem internet. Em praticamente todas as casas, inclusive na minha, só tinha uma única televisão na sala e, grande parte das vezes, não pegavam nem todos os canais abertos. Em 1995, a minha família mudou para um bairro bem afastado e passamos a ter ainda menos canais. Felizmente, isso só durou uns cinco anos, até instalar uma antena parabólica lá pra perto de 2000.
Enfim, para quase todas as famílias, o tédio reinava e o acesso a entretenimento era pouco. Quantas vezes não saí pra brincar na rua com os vizinhos e a gente simplesmente ficou sem fazer nada.
Mas, voltando pra videogame: em 1992 eu tinha 6 anos de idade e meu pai chegou em casa com um Mega Drive que ele comprou usado de uma locadora com 2 jogos, também usados. Eram Quackshot e Fire Shark.
E é isso, na grande maioria do tempo eu só tinha esses 2 games pra brincar. Felizmente, eles eram bons. Obrigado, cara da locadora.
A maioria dos jogos que eu tive acesso foi trocando jogos emprestados com amigos e vizinhos. Foi assim que eu joguei, Super Monaco GP, o original e o do Ayrton Senna, Streets of Rage 2, Super Street Fighter 2, Battletoads & Double Dragon, Sonic 3D Blast e vários outros.
Fora isso, quando dava, que era uma ou duas vezes por mês, minha mãe me levava pra locar algum jogo, mas quase nunca era de final de semana: moravam 4 pessoas na casa e só tinha uma tevê, lembra? E, depois de trabalhar a semana inteira, meus pais iriam querer sentar na sala pra assistir o que eles quisessem, não ver uma criança jogar videogame.
E foi assim na maioria do tempo. Minha família comprava mais ou menos um jogo por ano. Nós pegamos Streets of Rage, Sonic 2 e Jurassic Park, que foram bem caros. Se eu não me engano, algo próximo de R$ 100.
Em 1996 uma coisa muito importante aconteceu, minha mãe descobriu onde comprar fitas mais baratas e ela pegou Fifa 95 por R$ 30.
Foi uma alegria em casa. A fita vinha na caixinha, era igual as que a gente já tinha em casa e estava muito barata. Eu acho que meus pais nem se preocuparam se era pirata ou não, até porque nos anos 1990 muita coisa que a gente comprava era em lojinhas que traziam importados do Paraguai.
Pesquisando sobre isso hoje, eu descobri que nem tudo que chegava pela Ponte da Amizade era pirata ou falsificado. Muitos dos produtos eram simplesmente mais baratos porque o país vizinho não tinha impostos alfandegários, então muita coisa chegava dos Estados Unidos, do Japão e, mais tarde, da China sem pagar imposto nenhum.
Voltando, meus pais compravam o que eles conseguiam pra que os filhos tivessem alguma diversão dentro de casa e não tinha onde pesquisar pra saber se aquela fita era pirata ou não. Em relação a isso, teve um tempo que a gente achava que as fitas japonesas de Super NES eram piratas.
E, olhando pras fitas do Mega, a gente acabava falando que devia ser pirata porque não dava pra salvar informação nenhuma. Só que ninguém nunca teve certeza disso: mesmo as fitas mais velhas que tinha em casa, que a gente achava que eram originais, não guardavam as pontuações mais altas dos jogos depois que o videogame era desligado.
Independente disso, foi uma festa. Além do Fifa 95, que foi o primeiro dessa leva, compramos também Sonic 3 e uma fita com 8 jogos: Batman, Sailor Moon, Flicker, Chase HQ II, Rambo 3 e outros que eu não lembro. Nunca tivemos muitos jogos do Mega Drive, mas comprando, locando e emprestando a gente conseguiu brincar com muitos títulos.
Só que essa história começa a acabar. Em 1998 meu pai comprou um computador e o meguinha foi deixado de lado. Não digo que a gente tenha abandonado ele 100% do tempo, mas ele virou a segunda opção.
Finalmente, em 2002, compramos um PS One e o Mega Drive foi passado adiante. Foi dado com todos os jogos para um primo mais novo.
É isso. Esse era o ciclo de vida de um videogame nos anos 1990. Custava caro, a maioria das pessoas tinha poucos jogos em casa, mas a gente compensava isso idas até a locadora e trocava fitas emprestadas.
O cenário mudou bastante e todo mundo começou a ter mais jogos a hora que começaram a chegar as fitas mais baratas do Paraguai. Mas aí, já estava no fim da geração seguinte.
Muita gente se desfez dos seus consoles depois de pegar um mais recente, mais potente, ou simplesmente guardou em algum lugar e esqueceu que ele existia. Foram poucos os colecionadores que eu conheci.
O viagem que era conseguir jogos piratas no PC
O primeiro PC que tivemos em casa era um K6-II 300 que viu pouquíssimos jogos originais durante a sua vida. Diferente dos consoles, onde era mais difícil fazer cópias dos jogos, nos computadores disquetes e CDs circulavam muito entre amigos e vizinhos.
Começando com disquetes de 1,44 Mb. Rodou muita coisa entre entre a galera: jogos de Windows dos mais variados, Doom 2, Duke Nuken 3d, ROMs de Gameboy e, um dos jogos que eu acho que perdi mais tempo, Elifoot II.
CDs de revistas foram poucos, mas tinham uns 4 ou 5 CDs ARJeados com vários jogos de DOS ou ROMs de Megadrive e Super NES que passaram por todos os computadores da minha vizinhança. Esses jogos foram meus amigos que conseguiram e eu só peguei com eles. O que eu coloquei pra rodar entre a gente foi o Age of Empires, que pra eu conseguir foi quase um conto épico para um jovem de 12 anos.
Jogos originais, na maioria das vezes, estavam fora de cogitação devido ao preço. Tudo que sobrava era olhar para as caixas de jogos nas lojas de informática ou do shopping, contando o dinheiro e vendo que nunca ia dar. Eu lembro de uma ou duas vezes ficar babando na caixa de Age of Empires até que algum dos meus amigos disse que sabia de alguém que vendia a cópia.
Comprar esse jogo agora ia custar uns 12 ou 15 reais e eu só precisaria ir buscar numa lavanderia, que ficava de frente com a loja de importados mais famosa da cidade.
Por duas ou três semanas eu fui pedindo moedas pros meus pais em troca de pequenas tarefas. Não comi na escola algumas vezes pra guardar o dinheiro do salgado. Demorou, mas eu consegui guardar os fundos necessários.
Agora vinha a outra parte: chegar no lugar.
Para escrever este texto, eu joguei os endereços no Google Maps e só agora eu descobri as distâncias reais. A casa que eu morava ficava a 6 quilômetros da dita lavanderia e o trabalho do meu pai ficava a 1,5.
Para conseguir chegar no lugar, eu fui com o meu pai no trabalho dele sábado cedinho. Sete horas da manhã chegamos no centro e eu comecei minha procissão.
Esperei no trabalho dele sem fazer nada e fui andando até a lavanderia a primeira vez. Cheguei a lá às dez para as oito e estava fechada. Fiquei até 8 e alguma coisa e o lugar não abriu, então a criança aqui descobriu que o lugar abria às 9 da manhã. Voltei pro trabalho do meu pai, esperei um pouco e sai de novo. Cheguei perto das 9 horas.
Vocês precisam lembrar que eu era uma criança de 12 anos querendo um brinquedo novo. Eu queria aquele CD demorasse o tempo que fosse.
A lavanderia não abria. Eu lembro deles abrirem perto das nove e vinte, o que é perfeitamente normal pra um negócio familiar num dia que não costuma ter muito movimento.
Quando finalmente aquela lavanderia abriu, eu entrei e fui atendido por uma mulher. Perguntei do CD, ela falou que era o filho dela que gravava, mas ele ainda estava dormindo. Para eu conseguir, finalmente, minha cópia de Age of Empires, era pra eu voltar mais tarde.
Eu lembro de voltar pro trabalho do meu pai e, depois, voltar pra lavanderia mais uma vez.
Só nessa terceira tentativa o cara que gravava CDs me atendeu, finalmente. Mas ele não tinha o produto a pronta entrega.
O cara explicou que demorava para gravar o jogo porque tinha que queimar a mídia na menor velocidade possível, para que ela não tivesse erros. Eu só fui entender isso anos mais tarde, quando compramos nosso primeiro computador com gravador.
Enfim, a cópia começou a ser feita às10 horas e alguma coisa e eu voltei pro trabalho do meu pai.
Mais tarde, de carro com meu pai, antes de voltar pra casa, em algum horário entre meio dia e meia e uma hora da tarde, nós passamos na lavanderia pra pegar minha cópia de Age of Empires.
Eu me pergunto se alguém faria todo esse rolê pra conseguir um jogo hoje em dia. Acho que não muitas pessoas.
O Steam me deixou mal acostumado
Em 2012 eu já estava trabalhando em São Paulo e ganhando um grana razoável.. Então, sempre que dava, eu comprava uns joguinhos. Junto com isso, um colega de labuta, R., me apresentou os jogos indie e os bundles: gastando entre 2 e 10 dólares eu conseguia comprar um pacote de jogos e a moeda dos Estados Unidos estava muito barata.
Foi aí que eu acabei criando uma enorme biblioteca em vários serviços de jogos: bastava ter um jogo que eu quisesse no bundle que eu ia lá e comprava.
Isso aí em cima junto com promoções da Steam me acostumaram a comprar jogos originais, hábito que eu nunca sequer sonhei em ter.
Foi até engraçado quando outro colega de trabalho, A., perguntou se eu joguei ou pretendia jogar um certo lançamento que eu não lembro qual era. Eu respondi que não, porque estava muito caro e ele me disse que era só baixar.
Na minha cabeça isso demorou uns 2 segundos pra fazer sentido. Eu fiquei surpreso e concordei com o amiguinho. Pra quem conhece, esse foi um momento Efeito Einstellung.
Aonde Chegamos?
De maneira geral, minha ideia com esse texto é mostrar que tudo muda: nós não somos os mesmos, nossos hábitos de consumos são outros, o mercado atende a perfis de consumidores que simplesmente não existiam antes e as empresas adotaram práticas extremamente diferentes para se adequar a tudo que está acontecendo, aumentar seus lucros e tentar se manter relevantes.
Não é porque uma empresa está adotando práticas predatórias que isso é o fim do mundo. Nos anos 1990 e início da década de 2000, a maioria dos brasileiros simplesmente iria piratear os jogos da marca. No final dos anos 2010, as pessoas tinham tantos jogos que não faria diferença.
Um exemplo disso é que os dois últimos títulos da franquia Zelda estão no topo da lista do que eu gostaria de jogar, mas tem tanta coisa boa que eu ainda não joguei no Playstation 4 ou mesmo no meu surrado PC, que eu consigo simplesmente me distrair que, sem nem me esforçar, esqueço que a Nintendo existe a maioria do tempo.
É isso. Vou caçar o jogo das próximas férias.
E você? Quais as suas histórias de jogos? O que você pretendo jogar daqui pra frente? Escreve aí nos comentários.
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