Ordem Mundial Oriental - parte 1
Com base num artigo, que aparece no final, eu usei a aproximação: até setembro de 1985, 1 dólar valia 260 ienes. Depois disso, 1 dólar passou a valer 130 ienes. Não é exatamente isso, mas assim as dinâmicas que eu tento explicar ficam bem ilustradas.
Depois da II Guerra Mundial, empresas japonesas, principalmente de manufaturados como carros, eletrodomésticos e maquinário pesado, cresceram e ampliaram suas exportações baseando-se na política de desvalorização cambial: na maior parte da história recente, o iene sempre valeu muito pouco em relação ao dólar.
Isso favoreceu de maneira absurda o desenvolvimento da economia japonesa, ao ponto de ameaçar a hegemonia dos Estados Unidos. Para se ter ideia: no início dos anos 1960, o total de carros nipônicos exportados foi de 7 mil. Já no mesmo período dos anos 1980, essa quantidade saltou para 3 milhões e 900 mil.
As indústrias orientais estavam tomando espaços nos mercados da América do Norte e Europa que as empresas locais não conseguiam tomar de volta.
Gigantes como as montadoras de carros dos EUA, empresas de maquinário pesado, como a Caterpillar, e até a IBM, responsável pela arquitetura dos computadores como conhecemos hoje, pressionaram o governo para implementar o Acordo de Plaza.
E, como já se diz pela internet, "quem paga a banda escolhe a música". Não que algo ilegal tenha ocorrido, mas são essas empresas que financiam campanhas políticas. Assim, quando seus interesses estão em jogo, bastam alguns telefonemas para os políticos que elegeram com seu dinheiro e as ações necessárias são tomadas. Se você tem alguma dúvida, isso se chama lobby.
Então o governo estadunidense, juntamente com representantes da Europa, mais especificamente França, Reino Unido e Alemanha Ocidental, em 22 de setembro de 1985, "convidou" o governo japonês a assinar o Acordo de Plaza, que forçaria a todos valorizarem suas moedas em relação ao dólar.
Temos dois aspectos importantes aqui: derrotado na II Guerra Mundial, o Japão deixou de possuir forças armadas e passou a ser ocupado por bases militares dos Estados Unidos, que garantiriam a segurança do país. Em 1985 eram mais de 100. Basicamente, isso faz com que os japoneses sejam obrigados a fazer tudo que o governo estadunidense pede.
E, em segundo lugar, os custos de produção das indústrias no Japão são em iene, ou seja, antes do acordo de Plaza, se um carro saísse da fábrica custando 1 milhão de ienes, ao chegar nos Estados Unidos, seu valor seria, aproximadamente, 3850 dólares.
Depois de assinado o Acordo, a moeda japonesa foi valorizada e o mesmo carro, ainda tendo preço de 1 milhão de ienes, chegaria nos Estados Unidos no valor de 7690 ienes, aproximadamente.
Isso dificultou as exportações das empresas japonesas, que tiveram que adotar novas estratégias.
A principal das abordagens utilizada foi realizar investimentos diretos, ou seja, abrir filiais nos países que já compravam seus produtos para continuar atendendo ao público conquistado, mantendo para si a fatia de mercado que eles conseguiram antes do Acordo de Plaza.
Além disso, essa tática também permitiu às empresas japonesas alcançar outros objetivos comerciais, financeiros e operacionais como: acesso a novos consumidores e facilitação logística.
Com o iene valorizado, de fato, o preço das mercadorias produzidas no Japão aumentou, diminuindo a competitividade do país no mercado internacional. No entanto, assim que o Acordo foi assinado, se uma empresa tivesse suas reservas em iene e levasse esse dinheiro para outro país para construir uma filial, agora este investimento sairia muito mais barato.
Pense comigo: em ambos os casos vamos usar valores aproximados. Antes do Acordo de Plaza, em 1980, vamos supor que a Nintendo gastou 200 mil dólares para criar a Nintendo of America. Para fazer isso, ela precisou retirar do Japão a quantia de 52 milhões de ienes. Já a Sega só começou a atuar nos Estados Unidos, criando a Sega of America, em 1986, depois do Acordo e com a moeda japonesa valorizada. Supondo que ela precisasse dos mesmos 200 mil dólares para construir sua filial, ela só precisaria levar do seu país de origem 26 milhões de ienes.
É entre 1986 e 1990 que muitas indústrias japonesas se instalam nos Estados Unidos e Europa. Curiosamente, este cenário também é o plano de fundo do episódio dos Simpsons onde conhecemos o irmão perdido de Homer.
Consequência disso foi que as empresas japonesas dominaram o mercado de videogames mundial por algumas gerações: dos 8 aos 64 bits, praticamente só tivemos consoles de peso vindos de marcas japonesas: Nintendinho, Master System, Mega Drive, Super NES, Saturn, Playstation e Nintendo 64.
Somente em 2001, com a criação do Xbox original pela Microsoft, que uma empresa estadunidense se coloca como grande competidora neste mercado.
De volta aos anos 1980: mesmo com as empresas japonesas se expandindo, instalando fábricas nos Estados Unidos e Europa, a economia da terra do Tio Sam foi especialmente beneficiada com a criação de empregos nestas mesmas plantas.
E, ao que tudo indica, agora em 2025, este principal ponto positivo - a geração de empregos nos Estados Unidos - era justamente o que Donald Trump buscava ao estabelecer tarifas de importação contra o mundo todo.
No entanto, apesar de uma semelhança crucial, o cenário econômico não é o mesmo de 30 anos atrás por diversos fatores.
Assim como o Japão, a principal política protecionista da China é a manutenção do câmbio desvalorizado, ou seja, ela mantém a sua moeda, o yuan, valendo pouco para facilitar exportações e dificultar importações.
Além disso, diversas empresas americanas fecharam suas fábricas em território estadunidense e se deslocaram para as Zonas Econômicas Especiais da China, buscando menores custos de produção e fabricação de mercadorias em uma escala que pudesse atender ao mundo todo. Mais do que isso, muitas dessas marcas deixaram de ter produção própria e passaram a terceirizar essa atividade.
O exemplo mais emblemático é a Foxconn, ou Hon Hai Precision Industry, uma indústria fundada em Taiwan, mas que hoje possuí plantas espalhadas pelo mundo e é a maior fabricante de eletrônicos do planeta que, olha só, não possui marca própria. Ao invés disso, ela é contratada por empresas como BlackBerry, Apple, Google, Amazon, Sega, Nokia, Xiaomi, Sony, Nintendo, Microsoft e diversas outras para produzir seus componentes eletrônicos.
Uma das consequências é que, no curto prazo, a geração de empregos industriais nos Estados Unidos tornou-se inviável e esse é um problema multifatorial. O país não conta com fábricas adequadamente estruturadas para a produção de bens de alta tecnologia, o que exigiria novas construções e reformas – um processo que levaria anos. Além da mão de obra não estar suficientemente qualificada para esse tipo de produção, outro desafio que demandará tempo para ser superado. E, por fim, há a falta de acesso a toda a cadeia de suprimentos, dificultando a obtenção das matérias-primas necessárias em quantidade e regularidade suficientes.
Na década de 1980, quando o Japão começou a ganhar no jogo econômico mundial usando as regras impostas pelos Estados Unidos, o país americano forçou o Acordo de Plaza, para mudar como tudo funcionava. Hoje, em 2025, um cenário semelhante se coloca em relação à China e Donald Trump parece tentar usar a mesma estratégia dos anos 1980.
Só que o cenário é outro.
Politicamente e militarmente a China é completamente independente dos Estados Unidos, já que o país governado por Xi Jinping possuí forças armadas poderosas e não está ocupado por bases militares estrangeiras.
Além e devido a isso, economicamente, as indústrias com base na China podem contar com a manutenção do valor do yuan que, de certa maneira, garante a continuidade de seus planos de crescimento para médio e longo prazos sem nenhuma grande ruptura.
A China já se coloca com grande influência econômica no cenário dos games: a maior holding de jogos do mundo é a Tencent, detentora da Riot Games (League of Legends), Epic Games (Fortnite), Supercell (Clash of Clans) e LightSpeed Studios (PUBG Mobile). Fora isso, a gigante chinesa ainda tem participação em outras empresas como Ubisoft, Larian (Baldur's Gate 3), From Software (Dark Souls) e outras.
Também temos o crescimento de estúdios de desenvolvimento, que começam a ter reconhecimento global. A Game Science, empresa chinesa que desenvolveu e publicou Black Mith: Wukong, que concorreu a melhor jogo do ano no The Game Awards de 2025, e a NetEase Games, responsável pelo sucesso que é Marvel Rivals, são exemplos disso.
E ainda tem a produção de Hardware, que mira em todos os consumidores possíveis, indo de portáteis a consoles de mesa, tendo foco em emuladores de videogames antigos e chegando até um desempenho que rivaliza com o famoso PC gamer.
O único ponto negativo que eu gostaria de destacar em relação ao hardware desenvolvido na China é que ele ainda não possui identidade própria. Os modelos que eu vi focam em sistemas operacionais mais ou menos generalistas, como o ArcOS, Android e Windows.
Enfim, todos os seguimentos a indústria de games e consoles na China estão crescendo e, diferente do Japão nos anos 1980, parece que ela não vai precisar sair do país para atender demandas globais, ainda mais agora com a internet e a logística desenvolvidas como estão.
Ao que tudo indica, o cenário econômico construído mostra que empresas chinesas tendem a se colocar como grandes concorrentes no mercado de games, assim como a Xiaomi, por exemplo, que lançou seu primeiro aparelho em 2011 e em 2024 dominou 14% do mercado global de smartphones.
Não é muito arriscado dizer que cada vez mais teremos lançamentos de jogos chineses de qualidade e a AYN, Ayaneo, Anbernic ou outra marca pode aparecer no meio da próxima geração com um console que vai concorrer com o Switch 2, o Playstation 6 e o novo Xbox.
Texto que eu usei:
MIHUT, M. Y. Emerging Markets Queries in Finance and Business: Plazza Acord and the “explosion” of the Japanese FDI. Procedia Economics and Finance, Cluj-Napoca, v. 15, p. 721-729, 1 jan. 2014. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2212567114005462. Acesso em: 3 mai. 2025.
Foi deste artigo que eu tirei muita coisa do texto, especialmente os valores do Yen. Daria pra fazer diferente, mas a aproximação que ele usa é muito didática, então eu mantive que 1 dólar valia 260 ienes antes de 1985 e passou a valer 130 ienes depois. A ideia geral é ilustrar alguns pontos. Se você quiser os valores exatos recomendo artigos de economia e não publicações de blogs de games.
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