A Rússia anexou a Península da Crimeia, parte da Ucrânia, em março de 2014 e, mais tarde, em fevereiro de 2022, invadiu o país de Zelensky.
Essas ações foram contra interesses da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e da União Europeia (UE), que estabeleceram diversas sanções econômicas contra a Rússia. Várias empresas como Amazon, Coca-Cola e McDonald's fecharam suas portas no país mais extenso do mundo e outras, como AMD e Intel, pararam de enviar seus produtos.
A área da tecnologia da informação (TI) é uma das que mais sofre e sofreu neste cenário, já que oficialmente o país não consegue mais importar sistemas de litografia, microchips nem processadores. Considerando somente estes equipamentos com tecnologia de fabricação 100% nacional, a Rússia praticamente foi jogada no nível de desenvolvimento tecnológico do final dos anos 1970.
Eu digo 'oficialmente' porque fabricantes russos continuaram a fabricar microchips e processadores com arquitetura entre 250 e 28 nanômetros (nm), mas só foram capazes de fazer isso driblando as sanções para importar sistemas de litografia da holandesa ASML e da taiwanesa TSMC.
De maneira mais resumida do que certa, sistemas de litografia são as máquinas que fabricam microchips, as peças de um processador de computador. Quanto menores os microchips, mais deles cabem no processador e quanto mais microchips num processador, com mais informações ele consegue trabalhar. Além disso, quanto menores os microchips, menos energia eles consomem e menos calor geram.
O tamanho dos microchips é medido em nanômetros (nm) e cada nanômetro equivale a 0,000000001 metro. Uma medida microscópica.
Para se ter ideia, a bactéria responsável pela pneumonia é a Streptococcus pneumoniae e ela tem um diâmetro de, aproximadamente, 1000 nm, enquanto os microchips mais avançados produzidos em 2025 medem somente 2 nm. Hoje, bactérias seriam péssimos chips.
Tudo isso é muito interessante, mas vamos a um exemplo prático com a arquitetura dos processadores das primeiras versões de cada console da Sony:
O quadro permite que tenhamos parâmetros de comparação, mas não sem um comentário. Se pegarmos os processadores usados para fazer o PlayStation original no lançamento, veremos que ele possui arquitetura de 500 nm. Isso quer dizer que, em 1994, a tecnologia já havia avançado o suficiente para sua fabricação em massa, não que ele era topo de linha.
Voltando, um processador (CPU) costuma ser a peça central de um circuito eletrônico e nós encontramos ele em computadores, celulares, tablets, eletrodomésticos, servidores, data centers, e num número cada vez maior de equipamentos militares e armas, além de, como já vimos, consoles de videogame.
Além disso, há circuitos eletrônicos para controle de navegação e outros recursos de diversos veículos como aviões, helicópteros, tanques, navios e equipamentos como radar, rádio, GPS e vários outros.
Na invasão russa sobre a Ucrânia, a aplicação mais óbvia é a construção de drones e mísseis, ambos classificados como armas de alta precisão e, segundo reportagens, a Rússia usou drones kamikazes de fabricação própria, os ZALA Lancet e, mais recentemente, da mesma categoria, os HESA Shahed-136, importados do Irã.
Acredito que seja bem fácil entender que processadores em drones são necessários porque são essas peças que controlam o vôo, ajustam o percurso, velocidade, reconhecem elementos em imagens e acredito, podem até explodir o equipamento antes do impacto quando necessário.
Em razão disso tudo, não ter acesso ou fabricação de microchips e processadores compromete a capacidade de ação de quaisquer forças armadas e, especialmente no caso da Rússia, que está em guerra, essa é uma possibilidade que o governo não pode deixar acontecer.
Precisamos agora somar tudo que conversamos até aqui com o fato que investimento militar não gera retorno financeiro direto. E isso foi, inclusive, uma das causas da crise econômica que levou ao fim da União Soviética.
Afim de evitar que este cenário se repita, o governo Putin está buscando aplicações civis para as tecnologias desenvolvidas para uso militar. E uma delas é o videogame.
Em março de 2024, Putin declarou que a Rússia deveria desenvolver seu próprio console e, ainda, que este aparelho deveria conseguir concorrer diretamente com o PlayStation 5 e os Xbox series S/X. Agora, caso isso não fosse possível, o videogame russo deveria concorrer no seguimento portátil.
A ideia inicial era usar processadores Elbrus, que possuem arquitetura 28 nm e são fabricados pela MCST (Moscow Center of SPARC Technologies) com sistemas de litografia comprados TSMC antes das sanções ou de forma clandestina após o início da guerra contra a Ucrânia.
Processador Elbrus-8SV
O canal de YouTube Elbrus PC Play testou o melhor processador russo, o Elbrus-8SV de arquitetura 28 nm, produzido por sistemas de litografia da taiwanesa TSMC, em conjunto com uma placa de vídeo Radeon RX 580.
Os resultados foram razoavelmente ruins: The Dark Mod (jogo lançado em 2013 completo) rodou bem com os gráficos no mínimo e Elder Scrolls III: Morrowind (2002) também. Fora isso, o sistema teve vários momentos de desempenho com jogos da série S.T.A.L.K.E.R. configurado com os gráficos no médio.
Teoricamente esse processador deveria ter desempenho semelhante ao de um PlayStation 4, mas não é só a arquitetura que importa, existem também questões de compatibilidade, velocidade de atualização (clock) e até a otimização dos circuitos, entre outros. Além disso, este processador já estaria ultrapassado quase duas gerações inteiras.
Pelo que parece, a Rússia está atrasada em literalmente todos os aspectos desse campo tecnológico e, como analista de Geopolítica, eu vejo que esse plano tem pelo menos mais um grande problema: videogames não são produtos de primeira necessidade, então é bastante irracional direcionar o sistema de litografia mais avançado do país para fazer consoles, ainda mais durante uma guerra onde a OTAN impede os fabricantes de te fornecer peças e manutenção para as fábricas envolvidas.
Então, no final de 2024, o governo russo reconheceu que não possui tecnologia para criar um console com poder de processamento suficiente para concorrer com PS5 e Xbox series. Mas desenvolver a indústria e um produto com grande capacidade de retorno financeiro continua sendo uma ótima ideia.
A saída anunciada foi que será desenvolvido um aparelho portátil retrô e um dispositivo de streaming que permitirá às pessoas que tem um PC poderoso em casa "alugar" suas máquinas para outros usuários jogarem.
Este plano atual se mostra cada vez mais possível, visto que em 25 de maio de 2025 a Rússia anunciou o desenvolvimento da fabricação própria de microchips de 350 nm - arquitetura equivalente ao do processador MIPS R3000A, que foi topo de linha em 1988, mas ficou popularizado em 2000, sendo usado no PS One, última versão do PlayStation original, lançada em 2000.
O objetivo dos russos, agora, é chegar até a fabricação de microchips de 14 nm até 2030. Pelo andar da carruagem, quem sabe a gente não veja uma plataforma russa concorrendo contra o PlayStation 7?
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