Antes de começar, 2 coisas: (1) esse texto ficou legal, mas não era o que eu queria, então eu vou reescrever e (2) não existe empresa boazinha. Todas as empresas só querem seu dinheiro, só que algumas vão ser mais legais pra tentar fazer você abrir sua carteira.
Até os anos 1990, consoles e jogos eram simples produtos. Porém, com o advento da internet, novas maneiras de monetizar jogos foram criadas. Dito isso, vamos mergulhar no mundo da economia básica para entender como as coisas estão funcionando hoje, porque o que era uma coisa há 30 anos, pode estar sendo vendida como outra hoje.
Um produto é algo oferecido para aquisição, uso ou consumo com o objetivo de satisfazer uma necessidade ou desejo de uma pessoa ou grupo. Quando um produto é comprado, a transferência de sua propriedade é realizada. Mais do que isso, um produto, hoje, pode ser material ou digital. Esta revista, por exemplo, na primeira edição é um produto digital gratuito.
Agora chega de teoria: vamos falar de games!
Há algumas décadas, você comprava um console, como o Super NES, comprava os jogos, tipo Super Mario Kart e Mega Man X, e pronto. Era tudo seu. Você pode fazer o que quiser com o aparelho e com as fitas. A fabricante não pode fazer nada a respeito. Nos dois casos, console e cartuchos, você adquiriu produtos.
Agora, se você for para a internet, entrar no GOG (Good Old Games), comprar um jogo e baixar o arquivo de instalação, pronto! Você adquiriu um produto digital e pode fazer o que quiser com ele: guardar num HD externo, botar o game pra funcionar em vários computadores ou seja lá o que for.
O GOG é, hoje, a única loja online de jogos que vende produtos digitais. Todo o resto usa outro modelo de negócios: a prestação de serviços.
Um serviço, de maneira geral, é uma atividade intangível realizada para atender às necessidades de um cliente. Pode envolver ou não a transferência de propriedade de algo físico, mas que não representa o serviço em sua totalidade, apenas parte dele.
Um exemplo é o acesso à internet. Você pode até ter o modem e o seu celular, mas se parar de pagar, perde o acesso. A mesma coisa acontece com muitos jogos online, como World of Warcraft, que também segue o modelo de assinatura: você até tem parte do serviço instalado no seu computador, mas o acesso está condicionado ao pagamento de uma mensalidade.
Lojas como o Steam não vendem produtos, vendem licenças, ou seja, o direito de usar um determinado software (jogo). Isso, inclusive, é avisado de duas maneiras: Quando você vai comprar um jogo, logo embaixo do botão "continuar para pagamento", tem uma frase bem discreta dizendo "A compra de um produto digital concede uma licença para o produto no Steam". E se você for dar uma olhada no Acordo de Assinatura do Steam, vai ver a seguinte colocação: "O Conteúdo e os Serviços são licenciados, não vendidos. A sua licença não confere qualquer título ou propriedade sobre o Conteúdo ou os Serviços".
Para entender melhor o que tudo isso quer dizer, vamos nos aprofundar nos conceitos e trabalhar alguns exemplos.
Jogos como produto
Antigamente você comprava uma fita, um CD, um DVD, uma mídia qualquer, colocava no aparelho e começava a jogar. O console e a mídia estavam ali fisicamente e eram sua propriedade. Não tem muito o que explicar aqui: você pagou e os objetos que você pega e tudo que tem dentro deles é seu. Esse era o modelo de jogo como produto.
Só que as coisas mudaram e seria ótimo se continuasse assim até hoje.
Se você quiser um jogo em 2025, existem diversas jeitos diferentes de separar você, pessoa pagante, do conteúdo que você quer consumir.
Vamos começar pelas lojas digitais. Nelas a maioria delas nós não compramos mais os jogos, pagamos pela licença, pelo direito de acessar aqueles títulos naquela plataforma específica. E esse direito pode ser tirado, essa licença pode ser revogada e nós, que "compramos", perdemos o jogo, que na verdade nunca foi nosso.
Isso pode acontecer por diversos motivos: fim do acordo entre a loja e a distribuidora ou desenvolvedora, problemas de direitos autorais e até o fechamento, como aconteceu com o Playstation 3 e o Nintendo 3DS.
Uma solução óbvia seria comprar mídias físicas, mas esse não é o caso, já que a grande maioria dos jogos não é lançado completo e precisa de várias correções e atualizações para funcionar corretamente. As versões que vem nos discos muitas vezes são injogáveis.
E no Nintendo Switch 2 surgiu algo muito pior na minha opinião: mídia física sem o jogo. Um cartucho que vem com um código que te permite baixar o jogo no console. Você não tem o jogo pronto pra jogar quando colocar no seu videogame, nem a agilidade de compra e entrega da mídia física.
Serviços de assinatura de games
Um jogo grande, lançamento, em 2025 está custando entre 250 e 500 reais (Stella Blade no Steam e Mario Kart World no Switch 2). Pra que gastar toda essa grana para ter um único título para sempre se você pode gastar uma fração disso pra ter acesso a um catálogo enorme por um mês?
Durante a produção e revisão deste texto, a mensalidade do Game Pass Ultimate estava em 60 reais e a Playstation Plus Deluxe por um pouco mais que isso.
E não são só estes, tem também Nintendo Switch Online, Apple Arcade, EA Play, Ubisoft+ e Google Play Pass e eu peço desculpas se esqueci de algum.
A ideia é a seguinte: quanto, em média, alguém gasta comprando jogos por ano? Você compra um lançamento por ano? Dois? Espera promoções? Na maioria dos casos, as pessoas não chegam a gastar 500 reais por ano com jogos e tem acesso a um número muito menor de títulos.
Assinando qualquer um desses serviços, a maioria das pessoas passa a ter acesso a mais jogos, mas também gasta mais dinheiro com as mensalidades. Literalmente aumentando a receita das empresas.
Simplificando: na média, uma pessoa com um videogame de última geração ou computador vai gastar em jogos menos de R$ 500 por ano. O serviço por assinatura oferece uma oferta melhor, só que faz ela desembolsar uma quantia maior.
Game as a Service (GaaS ou Jogo como Serviço)
Esta é uma categoria a parte. Aqui o jogador pode gastar dinheiro com o jogo depois de ter comprado ele seja para o que for, continuar acessando, ter acesso itens cosméticos, acelerar o tempo de algum timer, comprar pacotes de itens ou personagens e várias outras possibilidades. Só depende da criatividade dos desenvolvedores.
Dentro desta categoria existem outras duas: jogos com mensalidade ou com microtransações.
Você só joga se pagar a mensalidade
Era o modelo de negócios de muitos Massive Multiplayer Online Role-Playing Games (MMORPGs), como World of Warcraft (WoW) e Final Fantasy XIV. Bem simples, na verdade, você paga um valor mensal para poder jogar. Parou de pagar, não joga mais.
Como é mais fácil interessar os jogadores deixando eles jogarem um pouco sem gastar nada, acredito que outros modelos de negócio façam mais sucesso atualmente, mas tanto WoW quanto os Final Fantasies online já foram títulos de peso com uma fatia grande do mercado.
Jogos com microtransações
Microtransações são pequenas compras digitais dentro dos jogos, pagas com dinheiro real na maioria das vezes, que permitem os jogadores adquirirem alguma coisa: podem ser itens que afetam a gameplay, itens cosméticos, vantagens, acelerar tempos de espera do jogo, personagens e qualquer outra coisa que os desenvolvedores quiserem colocar pra vender.
Em The Elder Scrolls IV: Oblivion surgiu a primeira microtransação: você podia gastar 2,5 dólares para comprar uma armadura dourada para o seu cavalo.
Retomando: as microtransações permitem que os jogadores gastem dinheiro dentro do jogo. Em alguns casos isso é feito de maneira que não afetam tanto a experiência, como em títulos aonde só se pode comprar mudanças na aparência dos itens, cenários e personagens. Já em outros, as empresas mostram que só querem seu dinheiro mesmo.
Em Fortnite, por exemplo, na teoria você pode jogar com ou sem gastar nada e terá exatamente os mesmos recursos que todos os outros jogadores. Mas, se você decidir colocar o conteúdo da sua carteira, pode escolher a aparência do seu personagem.
Já Diablo Immortal ficou famoso por ser um P2W (Pay to Win ou pague para ganhar): as pessoas que gastam dinheiro no jogo conseguem armas e armaduras bem melhores que os jogadores não compram nada. A diferença é tão grande que, na época que foi lançado, ficaram famosos vídeos em que baleias ganhavam sozinhos duelos contra times adversários.
Neste universo, baleias (ou whales, em inglês) são aqueles que gastam muito dinheiro em um jogo.
E, se tratando de microtransações, a mecânica mais infame, que até se tornou ilegal na Bélgica e na Holanda, são as loot boxes, que vem do inglês para caixas de recompensas. Em japonês são chamadas de gatcha.
Loot boxes são caixas dentro dos jogos que podem ser compradas com dinheiro real e, quando abertas, entregam um conteúdo aleatório ou parte dele.
No mundo todo, essa mecânica de games foi comparada com máquinas caça-níqueis por possuir diversas supostas semelhanças, como recompensas aleatórias, componente de azar, potencial para vício e uso de mecanismos psicológicos.
No Brasil elas não são ilegais, mas não é incomum saber de pessoas que gastaram além de suas possibilidades para comprar esse tipo de microtransação.
Depois de tudo isso, chegamos a problema: quando são um sucesso, os jogos como serviço geram muito mais receita para as empresas que os jogos como produto.
Do ponto de vista econômico do consumidor isso é ruim porque você vai gastar com o jogo e, quando parar de jogar, não terá nada. Porém, durante o período em que você está jogando é divertido e costuma gerar muito dinheiro para a empresa. Conheci diversos adolescentes que gastaram mais de mil reais com League of Legends e Fortnite, por exemplo.
Enfm, de acordo com o Encontro do Segmento de Negócios da Sony 2025, Segmento de Serviços em Rede e Jogos (Sony Business Segment Meeting 2024 Game & Network Services Segment), 8 jogos como serviço e 2 serviços de assinatura são responsáveis por mais da metade da receita, de todo o dinheiro que entra, da divisão de games. E isso acontece há pelo menos 3 anos.
São eles: EA Sports FC (antigo Fifa), Roblox, Call of Duty, NBA2K, Fortnite, Genshin Impact, EA College Football, GTA V, EA Play e Ubisoft+.
Ainda sim, mesmo neste cenário, o que faz as pessoas escolherem o Playstation ao invés de outras plataformas já que estes 8 jogos estão disponíveis para Xbox, PC e, em boa parte, Nintendo Switch?
Na própria apresentação a Sony encara a outra parte da sua receita como tendo origem no portfólio com mais de 12 mil jogos, muitos produtos para expandir a audiência.
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